A tecnologia não vê diferenças,
enxerga potenciais
| Por Luciana Oliveira
Quando cursei a Faculdade de Tecnologia de Praia Grande (Fatec), ouvi essa reflexão – sobre o fato de a tecnologia enxergar potenciais — de um professor. Vinda da área de Ciências Humanas, confesso que a afirmação me fez pensar no quanto as pessoas que atuam em tecnologia têm o olhar voltado para as soluções de problemas. Ou seja, há um forte treinamento para a resolução, portanto, ter uma pessoa com deficiência em uma sala de aula representa um potencial enorme para desenvolver soluções.
Como deficiente visual — perdi a visão aos 20 anos — decidi me preparar para atuar como UX (em português, experiência do usuário) por acreditar que além de ter uma carreira promissora, poderia contribuir para ampliar a inclusão, acessibilidade e representatividade de uma parcela importante de cidadãos que possuem algum tipo de deficiência. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), somos 45 milhões.
Com o curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas concluído na Fatec — e participando de grupos de WhatsApp como Mulheres na Tecnologia, que reúnem as profissionais do setor — fiquei sabendo que a piscina da 42 São Paulo estava aberta. Aliás, uma amiga me chamou a atenção para a oportunidade, porque acreditava que a escola “tinha a minha cara”. Sorte minha! Decidi que correria atrás dessa chance e busquei mais informações. Mas, confesso que não estava muito segura de que o processo seria acessível; de que uma pessoa cega conseguiria competir, em
condições de igualdade, com os demais inscritos. O jogo, a primeira etapa do processo, de fato não era acessível e me assustou o fato de eu só ter uma chance de concluir essa fase. A despeito das dificuldades — inclusive, da adaptação com o Mac, já que costumava usar PC — e, contando com a ajuda de amigos, consegui me credenciar para participar da piscina.
E, aqui, comecei uma nova etapa! Programação é abrir o capô de um carro. Na piscina, aprendi muitas coisas; inclusive, conteúdo que não tinha visto na minha faculdade. Lógico que sou imensamente grata à Fatec, mas a experiência na 42 foi diferente. Decidi que ficaria em São Paulo, hospedada na casa da avó de um amigo — que estava viajando e cuja residência fica próxima ao espaço da 42 — e me dediquei como nunca. Virava noite, esquecia de comer e mergulhei nesse aprendizado por 12, 14 horas diárias com sede de aprender. Óbvio que problemas surgiram. Mas, aqui entra a tal da história de a tecnologia enxergar potencialidades de soluções e tornar a
vida de uma pessoa com deficiência possível. Sempre contei com a transparência da equipe e a disposição de adotarem a inclusão de verdade. Quando não era possível, eu tinha uma resposta honesta. Consciente de que tinha dado o meu máximo, conclui o processo sem a menor certeza de que seria aprovada. Até que, em 20 de dezembro, o meu presente de Natal chegou… me tornei uma cadete na 42!
Claro que com a pandemia — e o fechamento presencial da 42 São Paulo –, bateu uma insegurança e tristeza. Entretanto, de novo surgiu a disponibilidade de resolver problemas. Fizemos adaptações; escolhemos desenvolver soluções para continuar o processo de estudos. Minha ideia é aprofundar os conhecimentos em Experiência do Usuário na perspectiva de uma pessoa cega, agregando expertise em governança, gestão de tecnologia e em futuro. Aos 39 anos, tenho a certeza de que escolhi a área certa. Hoje, desenvolvo alguns projetos na Sondery — a primeira consultoria de acessibilidade focada em consumo, que atende companhias, marcas e agências com soluções criativas para acessibilidade de produtos, serviços, comunicação e espaços. Na prática, a consultoria desenvolve soluções completas para resolver problemas de acessibilidade que impedem que as pessoas com deficiência possam consumir determinados produtos e serviços. Um dos projetos recentes que desenvolvi foi a apresentação da pesquisa Por que os cegos não compram no seu e-commerce?
Na 42 São Paulo, vivemos a expectativa da volta às aulas presenciais, quando tivermos segurança para tal. Como cadete da 42, acredito que essas adaptações –frente à realidade da Covid-19 — nos fortaleceu. Devemos estar prontos, afinal os desafios não acabaram!
| Luciana Oliveira. Graduada em Análise e Desenvolvimento de Sistemas pela Fatec, UX Research, UX writing, acessibilidade e 60+. A única deficiente visual que é cadete da 42 São Paulo; busca autonomia por meio da tecnologia.